quarta-feira, 24 de abril de 2013

Após anos de silêncio por aqui, o que mais para além de uma observação de cariz profundamente narcisista para retomar folêgo?
Pensava ontem com os meus botões - que, no ontem em questão, repousavam, de forma inacessível para mim, sobre a minha coluna vertebral - em como desde que me recordo, sempre fui completamente incapaz de deixar o carácter utilitário sobrepor-se à estética. Assim, camisolas bonitas com botões nas costas que se desabotoam espontaneamente, cadernos com páginas sem picotado para remover de forma civilizada, sapatos que magoam ao terceiro assentar de pé...todas as minhas escolhas culminam com malabarismos impossíveis e auto-flagelação. E isto levou-me a um episódio do remoto passado de há 5 anos, quando alguém que me conhecia há apenas um ou dois meses, sentenciou sem hesitação:
"You would just buy any piece of shit, as long as you found it pretty, wouldn't you?"

E assim se espera mais de 1 mês e meio por uma mesa de refeição. Mid-century inspired o raioqueaparta!  Não podia ter ido ao ikea como as pessoas normais e pedido ajuda ao ex-especialista da engenharia da lego (aka irmão) para fazer o serviço de montagem. Não podia. Porque sou imbecil. Assim, imbecil!

segunda-feira, 21 de junho de 2010

sinto-me a fachada de uma coisa morta

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Memória alguma persiste como o olfacto. Mesmo que titubeantes, tacteando na incerteza da identificação imediata, as reminiscências impõem-se em presença de uma nota, uma fragrância que em nós ficou impressa. A evocação de um momento, de igual forma, perde acuidade num vácuo de associação olfactiva.
Sextas feiras cheiram a madeira encerada e janelas abertas de par em par. Detergentes a circular através de mãos agéis, que assumem como missão exfoliar cada partícula de matéria, cada poro de superfície, deixando um halo de ordem à sua passagem. Como se cada objecto adquirisse redobrado vigor na sua quietude inanimada.
Como cadernos em branco. Folheados, acariciados por mãos que não podem senão adorar o imaculado das promessas que permite.
Sextas feiras eram dias de me esconder no quarto partilhado, longe da brigada anti-germes. Esquecida pelos demais, podia enfim lambuzar-me com páginas e páginas, mundos paralelos aos quais acedia através de portais de edredon e almofadas.

Transporto em mim a memória de tantos dias. De todos os dias. Vivo o hoje com a imensidão do ontem.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

5./1979

o junco entrançado das cadeiras conhece a memória do corpo
este demorado tempo de ausência...sobre a cama de areia
onde o amor se desenvolve o cheiro a poejo dos lençóis

a noite vem do esquecimento da voz
persigo-te com os dedos pelo vácuo
encontro o rosto amarelecido nas fotografias...despojos
do atormentado sono...lateja-me na boca um coração de papel
dissolve-se um desastre no escuro interior dos objectos

eis a última visão do deserto..um mar triste
uma canção de abandono sobre a boca..o sonho
invadindo a vida que me enche de sede
mas vai chegar o inferno
o corpo afrouxar-se-á como o fazem algumas flores
ao cair da noite dobram-se para o fulcro morno da seiva
e cismam um sonho de ave que só a elas pertence

são horas de ter medo meu amor
cansadas horas quebradas nas mãos...horas de alucinação
estes dias abertos à corrosão do ciúme...estas janelas
derramando sémen à velocidade do surdo grito...são horas
horas de fingir que nos amámos

lentamente os dedos aperfeiçoaram a arte de pararem
sussurrantes sobre o corpo..não a deslizarem
não a percorerem o espaço da veloz insónia
as mãos redescobriram o silêncio inesgotável da escrita
praticam esse ofício muito antigo
de na imobilidade da fala tudo desejarem

Al berto

sábado, 20 de junho de 2009

hourglass body

A luz furtivamente escoada percorria a marmórea face adormecida em jogos de luz e sombra sobre o perfil de ampulheta, emanando um ronronar sibilante de sono, compassado numa harmonia de vales e promontórios.
O rosa nacarado que emoldura as frinchas da janela difunde-se languidamente sobre a estival pacatez estéril.
Lá fora a fruta fermentada no interior da derme ressequida consome-se já sobre si mesma numa desidratação muda, num valsa de gordos insectos que esperam a fatal queda para se poderem banquetear com o frutado esqueleto.

Poderia percorrê-la com a ponta dos dedos.
Mas jamais poderia capturar a fugaz perenidade que dela evolava.

terça-feira, 2 de junho de 2009

mr. prince charming and (un)happy endings



Era uma vez....num reino muito muito pouco longínquo...uma lenda centenária que teimavam em impingir às meninas pequenas a par das colheradas de sopa ("só mais esta, vá lá, abre lá a boquinha!!ai tão bom!"). Pois bem, duas décadas volvidas, a repetição da lenda provoca-me o mesmo esgar que a colherada da sopa empurrada à traição garganta abaixo, enquanto os olhos se arregalavam perante as braçadas do Huckleberry no Mississipi...
Decidi denominar esta deambulação reflexiva de

Princípes Encantados e Finais Felizes: o Mito Urbano

Qualquer simples almoço entre amigas facilmente fornece matéria prima para uma saga mais longa e aterrorizadora que o Alien vs Predator. Romances que se transformam em enredos dignos de Júlio Verne, a levar a um novo nível o conceito de ficção científica (bem mais profundo que vinte mil léguas)
Conspiração societal, afirmo eu!
De que outra forma manteríamos a indústria dos trapinhos a funcionar em toda a sua glória, na alucinante substituição de sapatos bicudos por redondos e jeans boot cut por slim fit na transição de uma colecção para a outra? Quem justificaria um tão maciço investimento em novas variedades de gelados que amalgamam chocolate com pedaços de brownie e litradas do mais delicado fondant?Quem pousaria o cabelo amaciado por um brushing na cadeira barcelona de um psicólogo? Se desacreditarmos este mito...que acontecerá às Meg Ryans e Jeniffer Anistons deste mundo, incapazes de continuar a perpetrar falaciosas verões idílicas de uma realidade que nunca existiu?Os desgostos amorosos das donzelas providenciam o óleo de toda esta engrenagem!
Amor à primeira vista através de um aquário, no veludo cadente da voz da Des'ree, transposição das diferenças inarticuláveis, beijos capazes de nos transportarem para o interior de uma bola de sabão...oh well...experimentem ter de baixar o tampo da sanita, trocar o passeio de mãos dadas ao crepúsculo pela beira mar por uma caracolada a ver a bola com os compinchas...e vejamos se ainda conseguem cantar com a Pocahontas as cores da montanha e pintar com quantas cores o vento tem..
Pois é, depois de incentivada por uma amiga a escrever a minha versao do "Sexo e a Cidade" - com menos sexo, menos cidade, menos designer clothes, menos 15 anos e mais mundo rural...aqui está a minha visão dos princípes encantados e dos finais felizes: acordem e esfreguem os olhinhos! Tal como o Sebastião jamais retornará enroupado em nevoeiro, os sapos serão sempre sapos, coaxem com voz mais ou menos melodiosa, com perfume mais ou menos inebriante..e as excepções...só confirmam a regra ;)
Ainda assim..guardo em mim a certeza de que vezes sem fim os meus pés voltarão a não tocar o chão. Que todo e qualquer argumento se desvanecerá em poalha e dará lugar a assomos de sorrisos, dedos enovelados e corpos enredados em danças de sombras chinesas.
Porque na minha essência serei sempre uma Carrie, apaixonada pelo acto de me apaixonar...and i'll keep going down to strawberry fields forever :)